Na atualidade, o uso da tecnologia é cada vez é mais comum em todas as áreas de trabalho existentes, sendo difundido por Startups diversas, como os Aplicativos (apps) de conversas instantâneas (p.ex. o Whatsapp). Na área do Direito não é diferente.
Você leitor, sabia que pode usar mensagens de texto ou gravações de áudio e vídeo de aplicativos de mensagens/ligações como meio de prova em processo judicial?
Nesse sentido, o uso do Whatsapp vem sendo largamente utilizado como meio de prova, sobretudo a gravação de conversas e mensagens. Não deveria ser diferente, vez que o uso do Whatsapp para troca de mensagens de texto e voz, além de ligações, vem substituindo a ligação por telefone e envio de e-mails, sendo um dos aplicativos de mensagens/ligações mais usados no mundo[1] na atualidade.
Assim, a utilização de provas provenientes do Whatsapp está cada dia mais usual no Judiciário, sendo um importante meio de convencimento do juiz e de comprovação das alegações das partes.
Por outro lado, na contramão do uso indistinto e a qualquer custo da tecnologia, é importante frisar que a inviolabilidade do sigilo das comunicações telefônicas é direito fundamental assegurado expressamente pela Constituição Federal, conforme disposto no artigo 5º, inciso XII[2]. Todavia, os direitos fundamentais não possuem caráter absoluto podendo sofrer limitações, por exemplo permitindo sua relativização para “fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.
Retornando ao Whatsapp, quanto às mensagens de texto, percebemos que sua utilização como prova não delonga muitas reflexões, vez que os dois interlocutores, além de possuírem acesso às mensagens, têm consciência de que tais mensagens estarão gravadas no celular da pessoa com que conversam, além do fato de existir consentimento da parte interlocutora à outra parte na conversa de Whatsapp.
No caso de mensagem de texto, podemos tirar os famosos “prints” para instruir o processo. Para dar mais robustez a prova, pode-se ainda levar o aparelho celular a um cartório e solicitar a elaboração de ata notarial (Art. 384 NCPC), que nada mais é que “o instrumento público pelo qual o tabelião, ou preposto autorizado, a pedido de pessoa interessada, constata fielmente os fatos, as coisas, pessoas ou situações para comprovar a sua existência, ou o seu estado[3]”, ou seja, que consiste na transcrição fidedigna da conversa, devidamente registrada em cartório e respaldada pelo tabelião, que possui fé pública.
Entretanto, a problemática se instaura, quanto às gravações de áudios e imagens das conversas, via Whatsapp, onde normalmente a gravação de conversa é feita por um dos interlocutores, sem o conhecimento do outro. É necessário tecer alguns comentários preliminares, antes de concluir pela licitude ou não do uso dessa prova.
As pessoas que afirmam que tal prova seria ilegal, confundem, na maioria das vezes, a gravação da conversa com interceptação telefônica, sendo que esta última, necessita de autorização judicial, vez que a conversa captada é feita por terceira pessoa estranha à conversa. Assim, sendo a gravação efetuada pelo próprio interlocutor da conversa, sem o conhecimento do outro, constitui prova lícita.
Para exemplificar, trazemos exemplo de Rogério Sanches Cunha, onde “quanto à interceptação de conversa telefônica, a posição dos tribunais superiores é bem definida, de sorte que, mantida uma conversa telefônica, sua gravação valerá como prova desde que um dos interlocutores tenha conhecimento dela. Assim, em uma conversa entre “A” e “B”, se “A” grava esse diálogo, a prova é tida como lícita. Ao revés, em uma conversa mantida entre “A” e “B”, se “C” a grava, sem o conhecimento dos interlocutores e sem autorização legal para tanto, configura-se a ilicitude da prova”[4].
Nesse ponto, deve se observar que é lícita a gravação ambiental ou telefônica, produzida por um dos interlocutores, sem o conhecimento ou o consentimento do outro, por não caracterizar interceptação telefônica. Nesse sentido decisões do STJ[5].
O STF já teve oportunidade de assentar a licitude desse meio de prova, tendo em vista que não há violação ao sigilo. A gravação por um dos interlocutores deve ser entendida como um direito de proteção, uma precaução e, por não envolver violação do sigilo da conversa com a participação de agente interceptador não carece de autorização judicial.
Sobre a questão, o Supremo Tribunal Federal, por maioria, destacou em Repercussão Geral (Tema n. 237 – Case RE n. 583739 do STF), que a prova obtida através de gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores sem o consentimento do outro, é válida, sem qualquer mácula que induza a sua ilicitude.
O Tribunal, por maioria, reconheceu a existência de repercussão geral, reafirmou a jurisprudência da Corte acerca da admissibilidade do uso, como meio de prova, de gravação ambiental realizada por um dos interlocutores.
Portanto, caros leitores muita cautela e
responsabilidade nas gravações de áudio ou vídeo aos interlocutores da
conversa, pois é perfeitamente possível a utilização destas gravações, sem o
seu consentimento, pelo referido interlocutor, para embasar ou fundamentar
algum fato ou negocio jurídico (Contrato verbal, p.ex.) sob o qual eventualmente
paira dúvida sobre sua existência, validade ou eficácia, portanto, sendo
perfeitamente possível e válido o seu uso como meio de prova lícita em demandas
judiciais.
Felipe Ramalho Polinario
Advogado, Especialista em Processo Civil pela FGV/SP
Eduardo Giuntini Martini
Advogado, Especialista em Processo Civil pela Unisul/SC
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[1] https://www.similarweb.com/blog/worldwide-messaging-apps
[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.
XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal; (Vide Lei nº 9.296, de 1996).
[3] FERREIRA, Paulo Roberto Gaiger; RODRIGUES, Felipe Leonardo. Ata Notarial – Doutrina, prática e meio de prova, p. 112. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
[4] https://meusitejuridico.editorajuspodivm.com.br/2018/04/02/stj-e-licita-gravacao-de-conversa-feita-pelo-destinatario-de-solicitacao-de-vantagem-indevida/
[5] “REGIMENTAL. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO. FILMAGENS REALIZADAS POR UM DOS INTERLOCUTORES SEM AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. ILICITUDE. AFASTAMENTO. INCIDÊNCIA DO ENUNCIADO N.º 83 DA SÚMULA DO STJ. ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DE ORIGEM EM CONSONÂNCIA COM A ORIENTAÇÃO JURISPRUDENCIAL DESTA CORTE SUPERIOR. RECURSO IMPROVIDO. 1. “Tanto o Supremo Tribunal Federal quanto o Superior Tribunal de Justiça admitem ser válida como prova a gravação ou filmagem de conversa feita por um dos interlocutores, mesmo sem autorização judicial, não havendo falar, na hipótese, em interceptação telefônica, esta, sim, sujeita à reserva de jurisdição (RE n. 583.937 QORG/ RJ, Ministro Cezar Peluso, Plenário, DJe 18/12/2009; APn 644/BA, Ministra Eliana calmon, Corte Especial, DJe 15/2/2012).” (AgRg no AREsp 754.861/PR, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 04/02/2016, DJe 23/02/2016) 2. No caso, o Tribunal considerou lícita a prova questionada, consistente em DVD contendo imagens de manipulação de drogas, entregue à autoridade policial por sujeito alheio à atividade repressiva estatal, integrante do mesmo grupo de pessoas alvo do registro. 3. Encontrando-se o acórdão recorrido alinhado à jurisprudência do STJ sobre o tema, o recurso especial esbarra no disposto na Súmula n. 83/STJ. 4. Agravo regimental a que se nega provimento.” (STJ – AgRg no AREsp 589.337/GO Relator(a): Jorge Mussi – Quinta Turma J. 27/02/2018)
A violação do sigilo das comunicações, sem autorização dos interlocutores, é proibida, pois a Constituição Federal assegura o respeito à intimidade e vida privada das pessoas, bem como o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas e telefônicas (art. 5º, inciso XII, da CF 88). Entretanto, não se trata nos autos de gravação da conversa alheia (interceptação), mas de registro de comunicação própria, ou seja, em que há apenas os interlocutores e a captação é feita por um deles sem o conhecimento da outra parte. No caso, a gravação ambiental efetuada pela corré foi obtida não com o intuito de violar a intimidade de qualquer pessoa, mas com o fito de demonstrar a coação que vinha sofrendo por parte da ora recorrente, que a teria obrigado a prestar declarações falsas em juízo, sob pena de demissão. Por não se enquadrar nas hipóteses de proteção constitucional do sigilo das comunicações, tampouco estar disciplinada no campo infraconstitucional, pela Lei nº 9.296/96, a gravação unilateral feita por um dos interlocutores com o desconhecimento do outro deve ser admitida como prova, em face do princípio da proporcionalidade” (STJ – REsp n° 1113734-SP – Rel. Og Fernandes, j. 28.09.2010, DJe 06.12.2010